Somos formados por um misto de emoção e razão. Experiências, atitudes, sentimentos, positivos e negativos, ante o que passou, está ocorrendo ou o que pode vir a acontecer marcam a dimensão emocional da nossa existência. Por outro lado, a capacidade que temos de interpretar e modificar a realidade que nos circunda, dotando de sentidos e significações a nossa humanidade e a do outro, por meio de códigos linguísticos e culturais de ser e estar no mundo, estabelece uma diferença fundamental entre seres humanos e animais.
A maneira como fomos socializados primeiramente na infância junto à família e, posteriormente, na interação e no convívio interpessoal na escola, no trabalho, na igreja, no campo e na cidade, sob a influência das representações e das narrativas dos meios e canais de comunicação contemporâneos - das mídias tradicionais, como a TV e o rádio, à internet e às redes sociais, será decisiva para forjar a nossa personalidade, entendida como um conjunto de características psicológicas que conformam padrões de pensar, sentir e agir, como pessoas, individualmente, ou como comunidades e povos, coletivamente.
Por conta disso, existe uma profunda conexão entre os modos de conhecer a realidade, expressos em discursos políticos e práticas socioculturais diversas, e os modos de transformá-la, sobretudo no contexto de uma estrutura social, política e econômica desigual mais ampla. As alegrias e as tristezas, as conquistas e as frustrações, as angústias e os consolos, as inseguranças e as certezas, os medos e os destemores, as fragilidades e as fortalezas percebidos por nós e compartilhados com o próximo estimulam, não raro inconscientemente, o encontro, a troca e a sociabilidade ou, pelo contrário, incentivam o afastamento, a separação e a divisão em relação a determinados valores e princípios que nos farão mais ou menos solidários ou egoístas, gregários ou isolados, presentes ou ausentes, democráticos ou autoritários etc.
Nesse sentido, quanto mais expostos a situações de violências ou a percepções de medo e insegurança, mais suscetíveis à autodefesa e à resistência àquilo, ou aquele(a), que nos ameaça, constrange ou intimida, subjetiva ou concretamente. Esse mecanismo emocional impulsiona comportamentos reativos e assecuratórios da nossa integridade física e psicológica, que, por sua própria natureza irracional, nos iguala, em situações-limite, mais aos animais do que aos seres humanos. Há pouco espaço para a razão, para o bom senso, para a ética e para o bem viver em ambientes hostis e adversos, em que impera a desesperança e o ceticismo. E é precisamente em uma conjuntura assim em que estamos mergulhados atualmente.
Os níveis objetivos de criminalidade urbana, a espetacularização cotidiana da dor, a superexposição midiática da corrupção, travestida de uma luta moral do bem contra o mal, propalada já há quase cinco anos por excessos sucessivos aplaudidos e referenciados pelo populismo punitivo de operações policiais e judiciais, como a Lava-Jato, aliada à crise econômica geradora do aumento do desemprego e da pobreza e, ainda, à crise política da ausência de confiança nas lideranças e instituições constituídas levaram-nos a um caldo de cultura propenso à difusão do medo e à disseminação do ódio, avultando, ainda mais, as desigualdades de classe social, gênero, orientação sexual e credo religioso entre coirmãos, filhos de um mesmo povo, herdeiros de uma mesma terra.
Saibamos que o medo cega e o ódio mata! E que, ao final, seremos, todas e todos nós, vítimas e algozes do nosso próprio destino.